Aspectos Psicológicos

Depressão e Doença de Parkinson

A doença depressiva é conhecida da medicina desde há mais de 2000 anos. Hipócrates, considerado o pai da medicina ocidental moderna, descrevia-a como melancolia, salientando os aspectos relacionados com a tristeza, a indiferença e a falta de vontade de viver a realidade do dia-a-dia, que pode eventualmente conduzir ao suicídio.     

Estes aspectos ainda hoje são considerados os mais importantes para reconhecer os estados depressivos. Porém, hoje sabe-se mais sobre o assunto e consideram-se múltiplas formas de depressão.           

É difícil estimar a incidência da doença depressiva, qualquer que seja a sua forma, na população em geral. Há autores que apontam números elevados como valores na ordem dos 40% da população, todavia, este é um campo difícil de entender até porque há formas de reagir às contrariedades da vida que, sendo na sua essência depressivas, não constituem doença que necessite de tratamento. É natural, por exemplo, a tristeza e a falta de coragem no caso do luto por um familiar ou amigo próximo e nem sempre é necessário recorrer ao médico para que esses sentimentos sejam aliviados. A evolução expontânea leva ao alívio das queixas. Porém, em certos casos essas formas, ditas reactivas, de depressão podem prolongar-se e agravar-se no tempo constituindo verdadeira doença que é necessário tratar.           

Estas formas reactivas de depressão são em geral o resultado de um desgosto, mas são também, com muita frequência, relacionadas com o aparecimento de outras doenças (o que constitui, afinal, também um desgosto). É bem compreensível que alguém que esteja de boa saúde e de repente adoeça, reaja negativamente. Isso acontece nas doenças agudas, como o enfarte de miocárdio, e acontece nas doenças crónicas, como é o caso da doença de Parkinson. Assim, a primeira forma de depressão que devemos considerar na doença de Parkinson é a reactiva à sua doença. O sentimento dominante é o de revolta. O doente tem a sensação de injustiça por parte da natureza por ter sido escolhido para ter essa doença. A ansiedade domina o quadro, com irritabilidade que interfere nas relações com a família, e a insónia domina sobretudo o princípio da noite. Com o passar do tempo e com o equilíbrio dos sintomas físicos da doença através da medicação, o doente tem tendência a adaptar-se. Naturalmente, que este aspecto deve ser tomado sempre em linha de conta no momento em que o médico comunica ao doente o seu diagnóstico. Esta reacção depressiva pode estender-se ao agregado familiar pois que uma doença crónica numa família é também uma doença da estrutura social que é a família.           

Muitas vezes, e é necessário ter isso em atenção, os primeiros sinais da doença de Parkinson são a lentidão de movimentos e perda de expressão facial que são confundidas com a falta de iniciativa que constitui sinal depressivo, e o doente Parkinsónico pode ser erradamente diagnosticado como depressivo sem o estar. É necessário fazer um interrogatório cuidadoso ao doente e familiares sobre o estado psicológico do doente.           

Não podemos ainda deixar de lembrar que sendo frequente a doença depressiva na população em geral, o doente Parkinsónico pode, também ele, ter o seu quadro depressivo a que se vem juntar a doença neurológica. Não vamos aqui fazer uma revisão exaustiva dos diversos síndromas depressivos, mas não há dúvida de que na clínica do dia-a-dia nos aparecem casos em que as duas situações se sobrepõem. É talvez de realçar esta situação pois tem implicação sobre a eficácia do tratamento da doença de Parkinson. Na verdade, a sintomatologia depressiva torna mais evidentes os sinais da doença neurológica. Nos casos em que a depressão faz parte da doença chamada “maníaco-depressiva”, em que os episódios depressivos alternam no tempo com episódios de grande excitação, pode ser necessário constantemente adaptar a medicação da doença neurológica ao estado de humor do doente, visto que no período depressivo necessita de mais levodopa do que na fase em que se encontra em “mania”. Para além destas adaptações da medicação é necessário ter em linha de conta que muitos remédios antidepressivos podem interferir na medicação anti-parkinsónica, pelo que o médico tem que ter isso em atenção. Para além das situações que referimos, em que não se encontra uma verdadeira relação biológica entre as duas doenças, pode falar-se de sintomas depressivos associados à própria doença de Parkinson. Na verdade, a alteração química resultante do processo degenerativo que está na base da doença de Parkinson pode também afectar regiões do cérebro implicadas na génese dos sintomas depressivos. Assim, sintomas motores e sintomas psicológicos desenvolvem-se em simultâneo e progridem a par. É necessário nessa altura tratar ambas as situações, embora a correcção da componente motora com os fármacos apropriados possa também melhorar a componente depressiva.           

Finalmente, devemos fazer menção ao efeito depressivo que em alguns doentes tratados durante muito tempo podem ter os remédios anti-parkinsónicos. Nesta altura, o quadro depressivo acompanha-se, em geral, de outros sintomas sobretudo de tipo alucinatório. O doente vê coisas que não existem, vultos de pessoas ou pequenos insectos e pode também desenvolver quadros complexos de erros de interpretação da realidade que são muito difíceis de tratar. Temos visto com alguma frequência o desenvolvimento de quadros delirantes nomeadamente de delírio de ciúme que não revertem com a redução da medicação, ao contrário do que acontece com as alucinações. As alucinações estão claramente relacionadas com as doses da medicação anti-parkinsónica e muitas vezes não são referidas espontaneamente pelos doentes, sendo necessário interrogá-los especificamente.           

Temos estado a falar de uma forma geral dos quadros depressivos mas não mencionámos detalhadamente os sintomas que permitem fazer o diagnóstico. O doente deprimido fecha-se sobre si próprio fazendo dele uma imagem negativa, disto resulta uma incapacidade de encarar as pessoas e os problemas, o que limita significativamente a interacção social. O doente evita os encontros, fecha-se no quarto e, muitas vezes, não consegue sair da cama. Nada lhe dá alegria, nada o anima para fazer qualquer coisa e mesmo o que antes lhe daria prazer passa a ser indiferente. Em geral perde o apetite e reduz as pulsões sexuais. O comportamento alimentar pode no entanto ser o inverso, encontrando o doente na alimentação algum alívio da sua ansiedade. O mesmo não acontece no que respeita à actividade sexual. A angústia é uma forma de expressão da ansiedade que bloqueia o doente e o faz sofrer. Em muitos casos o síndroma depressivo tem uma expressão importante no ritmo do sono. Quando o doente está ansioso a insónia é ao princípio da noite impedindo o início do sono, como dissemos acima, quando o quadro depressivo está em pleno desenvolvimento o doente acorda a meio da noite,  ou sobre a madrugada, e já não consegue adormecer sendo assaltado por ideias negativas que lhe causam angústia. Por vezes estes sintomas são mais marcados de manhã melhorando ao longo do dia. Finalmente, importa dizer que o doente Parkinsónico tem que ser considerado como um todo. Quer isto dizer que não podemos dividir os problemas físicos para um lado e psicológicos para o outro. O tratamento tem que ser bem ponderado de forma a tomar todos os aspectos em linha de conta. Pode ainda acrescentar-se que a família carece, também ela, muitas vezes de apoio que o médico deve saber identificar. A partilha das queixas, nas Associações ou outras formas de convívio, pode funcionar muito bem como apoio terapêutico para os doentes e familiares para quem a doença veio alterar, a meio da vida, de forma dramática, um equilíbrio afectivo construído ao longo de alguns anos. A qualidade de vida, em toda a sua expressão, como objectivo fundamental deve ser o orientador da aproximação terapêutica. 

Pelo Prof. Doutor Alexandre Castro Caldas
Professor de Neurologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, H.S.M.